Como preparar e tomar chimarrão


Vamos apertar um mate, thê?


Vim para o Sul nos fim dos anos 70, mas o gosto pelo chimarrão se deu aos poucos. Aprendi a apreciar o mate com o sogrão velho de guerra, que era chegado. Lembro que não gostava de rodas grandes de mate, onde um não ronca, o outro mexe na bomba e a outra se esquece da vida com a cuia na mão. Dizia “Mate eu tomo de manhãzinha, solito, com meu pala e boina, e ainda meio emburrado!”.
Particularmente não sou daqueles que toma chimarrão o dia todo. Aprecio com moderação, também não sou de rodas de assuntos cruzados. E nada de chimarrão de uruguaio: curto como coice de porco.
O chimarrão se transformou em um costume comunitário. Apesar de que alguns aficionados o tomarem durante todo o dia, o comum é um mate na manhã e outro no fim do dia, inicio da noite. Embora seja cotidiano o consumo doméstico, é figura destacada quando a família se reúne, e é quase obrigatório quando chegam visitas ou a parceria. Mas é comum se ver gente tomando mate caminhando, passeando, na praia e outros locais diversos.

Numa roda de chimarrão a figura principal é a do mateador. Além de preparar, é o primeiro a beber, em sinal de educação, já que o primeiro chimarrão é o mais amargo. Também é de praxe o que fica com a chaleira ou a térmica, para encher e passar para as mãos de outra pessoa, iniciando a roda. Ele também alerta aos iniciantes que devem tomar o chimarrão totalmente, fazendo a “cuia roncar”, pois assim toda a água é sorvida e o próximo vivente pode tomar um mate zerado.
O chimarrão é feito com erva-mate, servido quente com água quase fervida: chiada. Tem gosto que mistura doce e amargo, dependendo da qualidade da erva-mate.

Cuia grande, bomba que não entope

Um aparato fundamental para o chimarrão é a cuia, vasilha feita de porongo, que pode ser simples ou lavrada e ornada em ouro, prata e outros metais, com a largura de uma boa caneca e a altura de um copo fundo e, mais importante, com o formato de um seio moreno de mulher. Chimarrão em cuia de alumínio com escudo do clube, canecas e outros que tais, nem pensar!
Importante a bomba, um canudo de cerca de meio centímetro de diâmetro, normalmente feito em prata lavrada, que dizem ter propriedades esterilizantes, acabamento de ouro, um palmo de comprimento e na extremidade inferior há uma pequena peneira do tamanho de uma moeda. Assim como a cuia, deve ser lavada só com água quente e deixada a secar no sol.
Gosto de cuia grande, bomba que não entope e erva forte, sem jujo e gostos estranhos de chás e ervas outras. Roda pequena e sem muita altercação, pois um bom chimarrão costuma botar os neurônios em seu devido lugar e fazer o relógio do peito bater no ritmo de uma milonga.

Tradição dos nossos pais índios


Interessante saber que o chimarrão ou mate é uma bebida característica da cultura do sul da América do Sul, um hábito legado pelas culturas quíchua, aymará e guarany.
Os índios da tribo guarany, lá pras bandas do Paraguay, tomavam o chá de ervas em copos feito de taquara, assim como a bomba, mais fina e com furos embaixo. Os desbravadores, nômades por natureza, e os soldados espanhóis que andaram por aqui e acolá, nos idos 1500, saudosos do lar e das patroas, tomavam homéricas borracheiras. E observaram que, tomando o estranho chá de ervas utilizado pelos índios, o dia seguinte ficava bem melhor e a ressaca sumia por completo. Deu-se a chamada aculturação.
Tem ainda o causo do primeiro mate. Conta a lenda que os jesuítas, achando que o mate era afrodisíaco, para evitar que os índios passassem a maior parte do dia mateando, criaram o mito entre os silvícolas cristianizados que o diabólico Anhangá Pitã estava dentro do mate. Mas os padres não se deram bem nessa tentativa. O hábito salutar sobrepujou o temor que lhes fora impingido. Por isso, toda vez que o índio ia tomar mate com outros, tomava o primeiro como demonstração que Anhangá Pitã não se encontrava no mate.
Lembrando que o chimarrão tem propriedades desintoxicantes e eficazes numa alimentação rica em carnes, fico com este singelo versinho:
“Ceve o mate da felicidade com uma chinoca recatada e dona de si, e mate é como sabugueiro do campo: bom pra tudo.”

Como preparar o chimarrão


1. Coloque erva mate verde em 2/3 da cuia.
2. Tape com a mão ou boca da cuia, inclinando-a para ajeitar a erva, que deve ficar assentada de um lado só, deixando um espaço vazio.
3. Bata suavemente, com a ponta dos dedos, na superfície externa da cuia, no lado em que a erva mate está assentada, para que o pó mais fino se desloque para o fundo do porongo.
4. Coloque novamente a cuia na posição vertical, com suavidade, para que a erva mate não caia para o lado.
5. Despeje um pouco de água morna ou para umedecer e inchar a erva, e aguarde até água ser absorvida.
6. Coloque a água quente, tendo o cuidado de não deixá-la ferver. O melhor é respeitar o aviso da chaleira, que começa a chiar aos 80º.
7. Introduza a bomba no fundo da cuia, enterrada na erva, mantendo o bocal fechado com o dedo polegar, até assentá-la bem.
8. Quando a infusão acabar, deve-se acrescentar mais água. A operação pode ser repetida até que o chimarrão deixe de espumar, sinal de que a erva já enfraqueceu.

Comparação do Mate


"Mate de estribo" - é o último mate com que se brinda um visitante ao estar pronto para partir
"Como o mate do João Cardoso" - emprega-se para designar um fato que nunca se realiza
"Aquentar água para outro tomar mate" - preparar um negócio para outra pessoa colher os lucros
"Andar de carijo aceso" - diz-se da moça que anda "feito louca" atrás de namorado
"A vida é como o mate, cura cevando" - é vivendo que se aprende
"Fulano anda tomando mate com rapadura" - estar feliz, alegre
"Andar com cara de mate fervido" - andar sem graça, triste
Primeiro os encargos, depois os amargos" - primeiro as obrigações, depois os mates

Chimarrão - Glaucus Saraiva (Poema)


Amargo doce que eu sorvo
Num beijo em lábios de prata.
Tens o perfume da mata
Molhada pelo sereno.
E a cuia, seio moreno,
Que passa de mão em mão
Traduz, no meu chimarrão,
Em sua simplicidade,
A velha hospitalidade
Da gente do meu rincão.


Trazes à minha lembrança, 

Neste teu sabor selvagem, 

A mística beberagem, 

Do feiticeiro charrua, 
E o perfil da lança nua, 
Encravada na coxilha,
Apontando firme a trilha, 
Por onde rolou a história, 
Empoeirada de glórias, 
De tradição farroupilha.



Em teus últimos arrancos, 

Ao ronco do teu findar, 

Ouço um potro a corcovear, 

Na imensidão deste pampa, 
E em minha mente se estampa, 
Reboando nos confins , 
A voz febril dos clarins, 
Repinicando: "Avançar"!
E então eu fico a pensar, 
Apertando o lábio, assim, 
Que o amargo está no fim, 
E a seiva forte que eu sinto, 
É o sangue de trinta e cinco, 
Que volta verde pra mim.

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